De heroínas a videntes: as mulheres do Contestado
- vidadeprenda
- 24 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Na história catarinense contamos com um grande evento que marcou toda uma região: a Guerra do Contestado (1912-1914). Os fatos políticos desse histórico acontecimento são conhecidos por todos. Contudo, alguns personagens dessa história ainda estão na sombra do grande alcance de público: a presença das mulheres na guerra.
Assim como em tantos outros acontecimentos, a participação das mulheres também foi diminuída pela história política e, apenas muito recentemente, colocada às vistas do universo acadêmico. Por isso hoje, trazemos algumas das mulheres que participaram de forma ativa nesse movimento tão importante para a história do estado de Santa Catarina. Mulheres que tiveram papéis ativos no desenrolar dos acontecimentos e que, apesar do avanço nos estudos sobre a História das Mulheres, ainda são pouco conhecidas.
Chica Pelega - heroína do Contestado
Francisca Roberta (? - 1914) mais conhecida como Chica Pelega, foi uma entre várias mulheres que participaram da Guerra do Contestado e que são pouco lembradas.

A família de Chica veio do Rio Grande do Sul onde eram peões de fazenda em direção a Santa Catarina. Sua mãe tinha dificuldades em engravidar e só conseguiu após fazer amuletos de carvão dos restos de uma fogueira deixada pelo monge João Maria. Dessa forma, Chica era vista como herdeira dos dons do monge, uma vez que tinha grandes habilidades com ervas e com animais. Foi muito admirada por sempre cuidar de doentes e crianças. Segundo Valentini (2000, p.117) "é pouco citada nos livros e para muitos nem existiu", mas na memória dos caboclos do Vale do Contestado, Chica é lembrada como uma grande guerreira e modelo de vida para as mulheres.
Chica Pelega "[...] era livre, inteligente e emotiva. Sonhava com o outro mundo, diferente daquele doméstico : um que tivesse muita gente onde pudesse festejar, falar, ouvir; um mundo onde as mulheres participassem das reuniões, das decisões, junto com os homens."
(PRADI, 2010, p.22).
Não há registros fotográficos de Chica, apenas relatos. A imagem usada é parte da capa do livro de Aulo S. Vasconcellos intitulado "Chica Pelega: A Guerreira de Taquaruçu", um romance sobre a vida da heroína.
Virgem Teodora - mensageira da compaixão
Teodora (aprox. 1902 - 1979) tinha apenas 11 anos quando relatou visões do já falecido monge José Maria. Era discípula de Chica Pelega e repassava mensagens de amor e esperança a todos os integrantes dos redutos durante o conflito do Contestado.

Mais ou menos um ano depois da morte do monge José Maria, ela convocou todos para que retornassem a cidade de Taquaruçu, e que esperassem o retorno do monge. Sobre esse episódio temos as trovas de Neném Schefer anotadas por Euclides Philippi:
Com um ano já completo Diz’ que a alm’apareceu, Pr’uma “Virgem”, a Teodora Em Perdiz, que aconteceu: Mas foi la’em Taquaruçu, Que o milagre sucedeu
Teodora foi a única das mulheres marcantes desse movimento que concedeu entrevistas para os pesquisadores. Ela relatou que suas visões, na realidade, eram invenções do seu avô. Ele as usava como forma de conduzir o grupo e legitimar as ações tomadas pelos líderes. Pois, se as ordens viessem do monge não seriam contestadas pelos demais, mesmo que através de visões.
A crença em suas visões não duraram muito tempo, mas Teodora continuou atuando na comunidade como enfermeira, cuidando dos machucados e necessitados. Ela foi a única das mulheres marcantes que sobreviveu a guerra e constituiu família após os acontecimentos. Teodora faleceu aos 79 anos em Curitiba (PR).
Maria Rosa - a vidente comandante
Maria Rosa (aproximadamente 1899 -1914) foi considerada o maior destaque feminino da Guerra do Contestado.

Atribuída pelo monge de Virgem Maria Rosa era tida como vidente e comandante pelos participantes dos redutos. Maria Rosa entrava em uma espécie de transe e dizia receber ordens diretas do monge José Maria.Dessa forma, ela se tornou uma líder espiritual e chefe militar sendo respeitada por todos.
Com aproximadamente 15 anos comandou o povo dos redutos durante os conflitos com rígida disciplina militar. Apesar de nova, ela organizava com maestria a defesa de seu povo. Morreu em 1914, lutando contra as tropas do general Setembrino de Carvalho em defesa de seu reduto e se consolidou como guerreira iluminada na busca incansável por justiça social. Maria Rosa merece destaque seja por seus atos de bravura ou ainda por sua preocupação e dedicação ao povo do Contestado.
Não há fotos de Maria Rosa, apenas representações do que imagina-se ter sido essa mulher. A foto utilizada é uma pintura de Willy Alfredo Zumblick, artista plástico, realizada em 1953.
Era alegre e independente
Não sabendo ler, era prosa
Nos momentos importantes
Estava sempre à frente.
Gostava de animais
ominava toda a gente
Nas procissões matinais
Ia com a bandeira importante.
Levando a grande bandeira
Guiava o povo temente
Nas lutas pela clareira
Pra a vitória daquela gente.
Como chefe e visionária
Comandava o povo guerreiro
Dando ordem diária
Com ajuda de conselheiros.
Como juíza do povo
Ordenava o que fazer
Se chegasse algum caminho
Tinha que ficar ou desaparecer.
Fêmea do divino
Pecado do homem
Fé em desatino
Prova o que se tem
A gula no destino.
Foste Afrodite Heras do apocalipse
A quem acredite
Lançou seus olhos de lince
Lutando contra o injusto
Matando e morrendo a todo custo.
Foste à tentação no sertão
O pecado do divino
Dominava homens sem razão
Guerreiros e jagunço
Impondo no reduto
Leis e obediências
Caboclos matutos
Feras sem temências
Na guerra do século.
Nhá Emídia - a curandeira do Contestado
Nhá Emídia, Santa Emídia, Nega Emídia ou ainda Nega Jacinta, foi uma mulher que fez história nas pequenas ações cotidianas. Os caboclos a chamavam de Santa pois ela curava doentes, fazia rezas e benzimentos.

Sabe-se que ela vivia em uma gruta (hoje chamada Santa Emídia) que fica próximo ao Rio Tigre em Três Barras (SC), mesmo local que teria vivido o monge João Maria quando passou pela região. Por isso a gruta tornou-se um local sagrado e muito procurado atualmente, pelos fiéis de toda região.
De sua vida não se sabe muito, apenas seu impacto na vida do povo do Contestado, espalhando bondade e fé.
Acredita-se que a imagem tenha sido tirada em 1918, como forma de um ensaio fotográfico para posteridade.
Fontes
SILVA, Natália F. da. As “Virgens Messiânicas”: participação e influência das “Virgens” Teodora e Maria Rosa no Contestado (1912-1916). Florianópolis: Revista Santa Catarina em História, vol. 1, 2010, p. 52-62.
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27, 2013, Natal. Movimento do Contestado na hermenêutica fotográfica. Natal: Anpuh, 2013. 15 p.
TRENTO, Aline; LUDKA, Vanessa; FRAGA, Nilson. Guerreiras imortais do Contestado, as que tudo viam e faziam durante a guerra de extermínio. Geographia Opportuno Tempore, Londrina, vol. 1, p. 272-292, jul./dez. 2014
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